Na tradição humana, nenhuma história, fábula ou mito prescreve felicidade ao fim do soberbo. O pecado, também conhecido como orgulho e arrogância, reserva a quem o comete o trágico destino da solidão e derrota. Isto se deve ao fato de que este é, possivelmente, o mais intolerável dos pecados. Na tradição bíblica, por exemplo, foi a soberba de Lúcifer, a Estrela da Manhã, que o destituiu de sua beleza e poder.
A decaptação de Medusa (Imagem: reprodução)
Os livros de Isaías e Apocalipse narram o destino do anjo que, envaidecido e arrogante, ousou comparar-se ao Altíssimo e anunciou que se sentaria no mais alto trono. Como punição pela sua prepotência, foi lançado à terra em desgraça, tratado doravante como Diabo, o Opositor. Curiosamente, na crença judaico-cristã, embora o primeiro pecado seja atribuído à desobediência de Adão e Eva, no livro de Gênesis, foi pela arrogância de Lúcifer que se originou a ofensa contra Deus e todo o Mal.
A tragédia grega também faz sua própria leitura deste pecado. O mito de Medusa descreve o cruel destino da mulher que teria sido a mais bela da Grécia Antiga. Conta-se que era sacerdotisa do templo de Atena, terrivelmente vaidosa e autoconfiante. Medusa teria se gabado de sua beleza, autoproclamando-se mais formosa do que a própria deusa. Em uma das versões do mito, a bela teria ainda se deitado com Poseidon, deus dos mares, no altar do templo de Atena. A deusa, enfurecida pela ousadia de Medusa, lançou-lhe uma maldição: seus cachos seriam transformados em serpentes e seus olhos, uma armadilha para os mortais. Nenhum homem poderia ver seu belo rosto novamente e aquele que tentasse, seria transformado em uma estátua de pedra. Medusa, o mais belo dos monstros, viveria em exílio eterno, lamentando o pecado contra a deusa.
Fato é que os soberbos, conformados consigo mesmos e indiferentes ao outro, são castigados onde quer que estejam. A punição humana não se equipara aos poderes divinos, é claro. Na presença dos egos inflados, narizes se torcem, olhos se reviram e nenhuma conversa flui de modo realmente agradável. A verdadeira maldição daqueles com o comportamento prepotente é que atraem para si apenas a apatia dos íntegros e a bajulação dos cínicos, sentimento e atitude perigosamente excludentes.
Mas é ainda importante reforçar que, embora a soberba seja vista como um traço indesejável da personalidade alheia, detestá-la não faz ninguém mais humilde ou menos arrogante. Ironicamente, pessoas soberbas costumam não se gostarem ou desenvolver relações de amizade muito profundas entre si em razão dos conflitos de ego que surgirão eventualmente, uma vez que não gostam de se sentir igualadas ou confrontadas em seu “topo”.
Um pérfido pecado, a soberba é também o mais sutil porque é capaz de penetrar em nossas ideias, opiniões e atitudes sem ser percebida. Até mesmo aqueles que se esforçam para serem humildes e empáticos devem estar atentos às tentações silenciosas do orgulho exacerbado.
“A humildade extrema, fora do padrão, se colocando abaixo dos outros, e a soberba se colocando muito acima dos outros são faces da mesma moeda”,diz o professor Daniel Martins de Barros, coordenador médico do Núcleo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Orgulhoso ou Soberbo?
A soberba, embora tratada como orgulho, se difere deste último por uma questão de aplicabilidade. O orgulho está naturalmente presente na vida das pessoas quando possuem ou buscam uma mentalidade saudável. É um sentimento relacionado ao indivíduo porque se faz essencial na construção da autoestima, da autoconfiança e do autoconhecimento. Pessoas estão habilitadas a sentirem orgulho próprio, por exemplo, quando passam no vestibular, são aprovadas em uma entrevista de emprego, aprendem novas habilidades ou quando saem íntegras de períodos difíceis e realizam novas conquistas pessoais.
Já o orgulho exacerbado, ou orgulho hubrístico, é o que conhecemos como soberba, uma superdose de orgulho aplicada ao individualismo competitivo. Dessa maneira, o soberbo busca compulsoriamente ver apenas a si mesmo em uma realidade coletiva e se esforça para distorcer essa realidade sob sua própria perspectiva e favor.
As Duas Faces da Soberba
Oscar Wilde, célebre autor da obra “O Retrato de Dorian Gray”, certa vez disse: “por trás de cada coisa soberba que já existiu, havia algo trágico”. Wilde, que além de romancista era um profundo adorador da antropologia, expôs uma das charadas mais paradigmáticas da conduta humana: a soberba é uma moeda cujas faces oscilam, expondo uma a outra simultaneamente.
Se, por um lado, o soberbo é alguém que busca sobrepujar ou intimidar outras pessoas criando uma projeção de si mesmo como absoluto, por outro, pode ser também identificado como aquele que busca a unânime aprovação e reconhecimento de outros e, portanto, alguém muito sensível à aprovação social.
As Duas Faces de Miranda
A megera Miranda Priestly, personagem de O Diabo veste Prada, interpretada por Meryl Streep, é a gloriosa, diabólica e terrivelmente soberba chefe da Revista Runway. Ainda que empoderada pelo império da moda, a personagem de Streep é assombrada pela autocobrança e pelos insucessos de sua vida pessoal.
Na perspectiva psicanalítica, a soberba é uma desestruturação psíquica resultante de experiências e vivências do indivíduo. é um comportamento representado pelo narcisismo, isto é, uma espécie de desvio no núcleo do Ego Narcísico, em que o indivíduo desenvolve um orgulho patológico. Carlos Geraldo, psicanalista clínico e professor de psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise e Evolução Existencial, explica: “A soberba é resultado de fatos repressores ao longo da vida infantil e da adolescência, potencializada pelo ambiente onde se formatou sua personalidade”.
Teste: Quão orgulhoso(a) você é?
I. Você fez algo que chateou um amigo, mas você não acha que agiu errado. Então, em vez de se desculpar, você prefere ficar quieto(a) e esperar que o sentimento dele passe.
a) Concordo totalmente ( ) b) Concordo parcialmente c) Discordo parcialmente d) Discordo totalmente
II. Empregos e atividades que lhe dão status são mais importantes e agradáveis do que realizações e contribuições sem nenhum retorno.
a) Concordo totalmente ( ) b) Concordo parcialmente c) Discordo parcialmente d) Discordo totalmente
III. Você tem profunda aversão e desprezo por pessoas arrogantes e soberbas.
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IV. Você sente necessidade de fazer com que todos saibam de suas conquistas pessoais e profissionais.
a) Concordo totalmente ( ) b) Concordo parcialmente c) Discordo parcialmente d) Discordo totalmente
V. Caridade, na sua opinião, deixa as pessoas preguiçosas e acomodadas.
a) Concordo totalmente ( ) b) Concordo parcialmente c) Discordo parcialmente d) Discordo totalmente
VI. Você acredita que é importante estar bonito(a) e atraente o tempo todo e se esforça bastante para ter uma boa aparência.
a) Concordo totalmente ( ) b) Concordo parcialmente c) Discordo parcialmente d) Discordo totalmente
VII. Você sente satisfação em fazer críticas duras às pessoas e acha que quem reage mal a elas é frágil ou ignorante.
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VIII. Você não precisa da empatia das pessoas para se sentir bem.
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IX. Todas as suas conquistas são mérito único e exclusivo seu e independem de outras pessoas.
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X. Você é muito invejado(a), mas não vê problema nisso desde que não afete o seu status de nenhuma maneira e não lhe cause ciúmes.
a) Concordo totalmente ( ) b) Concordo parcialmente c) Discordo parcialmente d) Discordo totalmente
XI. Amor próprio é a capacidade de se colocar em primeiro lugar sempre.
a) Concordo totalmente ( ) b) Concordo parcialmente c) Discordo parcialmente d) Discordo totalmente
XII. Você acredita que raramente as pessoas são tão boas e caridosas.
a) Concordo totalmente ( ) b) Concordo parcialmente c) Discordo parcialmente d) Discordo totalmente
Resultado
Analise as alternativas que você marcou.
Se marcou mais letras “A“, seu quociente de orgulho é terrivelmente alto, o que significa que você, possivelmente é arrogante e possui uma convivência desagradável. Provavelmente, é também alguém que esconde fragilidades e têm medo de que sejam expostas. Desconfie dos elogios que recebe, provavelmente são bajulações. E não, você não é bom(boa) demais para ser medido(a) por esse teste…
Se marcou mais letras “B“, possivelmente seu quociente de orgulho é alto. Você pode ser legal em algumas ocasiões, mas geralmente só quando quer parecer mais humilde.
Se marcou mais letras “C“, possivelmente seu quociente de orgulho é médio. Você até pode ser orgulhoso de vez em quando, mas costuma sentir constrangimento quando extrapola. Não se cobre tanto, é normal querer passar uma boa impressão.
Se marcou mais letras “D“, possivelmente seu quociente de orgulho é razoavelmente baixo. Você tende a ser uma pessoa humilde, mesmo que sinta orgulho em alguma ocasião. Está orgulhoso de seu resultado? Hum… 🧐