Neto de um dos fundadores da OAB do Estado, Raimundo Neto, como é conhecido na advocacia mineira, de 40 anos, apesar de relativamente jovem, é especialista em direito eleitoral, conta com quase 20 anos de atuação no mercado jurídico, além de já ter conquistado o título de uma das principais referências em Direito Eleitoral no Brasil. É casado com a advogada Débora Calazans e pai da “futura advogada” Helena de apenas dois anos. Conhecido por ser habilidoso, estratégico e simpático, Neto ganhou notoriedade no direito pelo seu espírito aguerrido e por suas grandes exposições em defesa de seus clientes nos tribunais. Inclusive, uma das suas grandes marcas foi o êxito em uma importante ação julgada em 2009.
Na época, o advogado, de apenas 28 anos, fez uma brilhante defesa em favor da prefeita de uma cidade mineira eleita pelo voto, mas não diplomada por ter tido o registro indeferido pela Justiça Eleitoral. Até aquele momento, nenhuma ação similar havia sido julgada procedente no Brasil. No entanto, após ingressar com uma ação rescisória no Órgão e realizar a defesa com exposição oral no TSE, transmitida ao vivo pela TV Justiça, o direito da prefeita foi estabelecido pelo placar de 4 a 2 e a atuação do advogado reconhecida e elogiada pelos colegas especialistas na área. Atualmente, o advogado exerce o cargo de diretor de Subseções da OAB de Minas Gerais e carrega, além de um grande conhecimento jurídico, a herança de pertencer a uma das famílias mais tradicionais e admiradas dentro do Direito.
O seu avô Raimundo Cândido, ex-dirigente da Ordem, construiu a sede da OAB-MG e, para isso, chegou a dar a casa da família como garantia no banco. Sua família tem um reconhecido histórico de luta a favor da classe. Como você avalia todo esse contexto junto à advocacia mineira? O direito surgiu para mim de forma natural, ainda na infância, nos almoços de domingo, com meu avô, meu pai e meus tios. Depois de ingressar na faculdade de direito, curso que escolhi como primeira e única opção, e me tornar um advogado, o direito se tornou minha vida. A história do meu avô, há muito difundida, do homem negro e pobre, matador de formigas que se tornou referência no direito e ganhou destaque em todo o país, pautou minha criação, meus valores e a construção de minha própria identidade. A OAB representa a expressão máxima de defesa de uma classe que muito me orgulha: de pessoas com quem aprendo diariamente e que assim como eu visam realizar um trabalho honesto na luta pelo verdadeiro Estado democrático de direito.
Quais os principais desafios vivenciados pela advocacia mineira? A pandemia da Covid-19, indubitavelmente, tem sido um dos maiores desafios já enfrentados pela advocacia mineira. A crise econômica gerada durante esse período tem prejudicado especialmente os jovens advogados que ainda não possuem uma estrutura sólida firmada. Ainda merecem destaque as falhas apresentadas no processo judicial eletrônico, que têm prejudicado toda a advocacia e consequentemente os cidadãos, a ausência de pagamento dos honorários dos advogados dativos, os ataques diários às prerrogativas do advogado e as dificuldades enfrentadas pela advocacia do interior, que vão desde os embates judiciais para a manutenção do espaço do advogado nos fóruns até a inserção dos advogados mais idosos no novo ambiente virtual que se apresentou pós-pandemia.
Você é o diretor de apoio às Subseções da OAB-MG. Em que consiste o seu trabalho? Minhas atividades se pautam no fortalecimento da advocacia estadual através da promoção da interação entre as Subseções, entre essas e a Seção de Minas Gerais e, ainda, por meio da ampliação da interiorização da advocacia. Nesse sentido, temos criado e instalado novas Subseções e buscado a promoção da representatividade da classe perante os demais órgãos da Justiça, notadamente, por meio da garantia das prerrogativas do advogado que permitem sua atuação livre na defesa dos direitos do cidadão. O apoio às Subseções tem alcançado a união e o fortalecimento da advocacia mineira.
No que tange as Subseções localizadas no interior, qual tem sido a atuação da OAB em favor delas? Buscamos promover uma descentralização dos próprios serviços da OAB de forma a possibilitar que as Subseções pudessem prestar serviços que antes eram executados somente pela Seção Estadual de modo a desburocratizar e dar celeridade ao processo. É o caso, por exemplo, da ampliação dos TEDs regionais. Vale citar que diversas questões relevantes que antes eram decididas apenas pela deliberação do Conselho Seccional da OAB agora passaram a ser pautadas pelos posicionamentos advindos da interação entre as 246 Subseções e o próprio Conselho por intermédio da nossa Diretoria. A posição da OAB mineira em temas de repercussão é tirada democraticamente com a participação dos presidentes de Subseções. Dentre inúmeras ações, destaco que estruturamos de todas as Subseções com equipamentos de primeira qualidade, para que os colegas possam participar de atos processuais por vídeo conferência, e inauguramos também escritórios compartilhados no interior para possibilitar o acesso de clientes a colegas afetados pelo momento econômico.
Você tem sido reconhecido pela advocacia mineira pela batalha na defesa da classe e conseguiu junto ao Governo o reconhecimento da profissão como essencial nesse momento de pandemia. Qual é a sua avaliação sobre essa conquista? A conquista é inestimável. Infelizmente, em alguns outros Estados não aconteceu, mas em Minas Gerais nosso pleito foi atendido lá no início e pudemos atuar sem qualquer restrição em todas as fases do programa Minas Consciente. O próprio cenário pandêmico, no qual os serviços prestados pela advocacia visam garantir direitos fundamentais inerentes ao próprio ser humano como a vida, exige nossa irrestrita atuação. Casos de negativa de autorização de planos de saúde para internações, por exemplo, necessitam de um advogado para serem solucionados. Um cidadão preso injustamente, uma mulher vítima de violência doméstica ou um idoso que precisa de um remédio especifico são situações que só podem ser resolvidas por um advogado. As renegociações contratuais que se fizeram necessárias após a crise econômica também não seriam viáveis sem que houvesse a participação do advogado. De fato, a situação enfrentada pela população durante a pandemia poderia ser ainda pior caso a advocacia não fosse reconhecida como essencial, o que não representa mais do que a afirmação da própria Constituição Federal que já proclamou em seu artigo 133 ao dispor que o advogado é indispensável à administração da Justiça. Infelizmente, a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça e as suas prerrogativas necessitam de constante afirmação, pois são alvos constantes de autoridades que ainda relutam contra o verdadeiro papel do advogado na defesa do Estado democrático de direito. Os direitos fundamentais consagrados pelo nosso ordenamento jurídico de nada serviriam caso não fossem passíveis de serem exigidos, o que apenas se torna possível através da atuação livre e desimpedida dos advogados. Nesse sentido, realmente, temos trabalhado incansavelmente.
A OAB sempre participou da política brasileira, inclusive estando à frente de impeachment de presidente da República. Qual o papel do advogado no atual cenário social e político brasileiro? Acho importante relembrar que antes de a pandemia se tornar o assunto mais importante do país, vivíamos mergulhados em uma crise política marcada pela preponderância de discursos punitivos tendentes a limitar o exercício da própria defesa. Nesse sentido, podemos citar a prisão decorrente de julgamento em segunda instância, as prisões preventivas ilegais, o uso de interceptações ilegais, a utilização de provas ilícitas, o completo desrespeito à presunção de inocência, a violação do sigilo profissional, dentre outros. O advogado passou a temer as consequências advindas do simples exercício de seu ofício, já que suas prerrogativas passaram a ser flagrantemente violadas. Contudo, ainda que à duras penas, a luta da classe vem logrando êxito, atingindo seu ápice com a promulgação da lei que criminalizou a violação de prerrogativas, inclusive com a derrubada do veto do presidente da República.
As violações de prerrogativas dos advogados sempre foram um assunto muito debatido pela classe. Como o senhor enxerga essa situação e como combatê-la? Realmente, as violações às prerrogativas sempre existiram. O que tem mudado é a forma como estamos lidando com as queixas que nos são apresentadas. Dentre as medidas adotadas, podemos destacar a proposição de todas as ações correcionais e judiciais contra os autores dos atos violatórios, bem como a ampla divulgação do repúdio institucional, para evitar que voltem a ocorrer naquelas regiões. E, de forma complementar, visamos garantir o acesso e a informação a todos os advogados, inclusive aqueles das regiões mais remotas, o que se tornou possível através da tecnologia. É fundamental que a classe esteja ciente de que a OAB-MG atua de forma intransigente e com reconhecimento nacional diante de qualquer ameaça às prerrogativas do advogado.
Existe um certo “enfrentamento” entre advogado, juízes e promotores? Não deveria existir. Estamos todos no mesmo barco da administração da Justiça, todos trabalhamos pelo jurisdicionado. Cada um com seu papel bem definido. Assim como os três poderes da União, advogados juízes e promotores devem atuar com independência e harmonia entre si. Caso essa relação harmônica não esteja ocorrendo, a OAB-MG irá agir.
Em sua visão, como valorizar a profissão do advogado? Primeiramente, com capacitação. Com constante aperfeiçoamento do profissional na área (nossa ESA – Escola da Advocacia, referência nacional, disponibilizou inúmeros cursos e palestras gratuitos durante a pandemia), respeito às prerrogativas do advogado, combate ao aviltamento dos nossos honorários e, por fim, a necessária união da classe para o enfrentamento dos problemas comuns.
Este ano a OAB terá eleições. Pretende concorrer à presidência? O momento é de muito trabalho. As eleições só ocorrerão na segunda quinzena de novembro e qualquer movimentação agora é prejudicial à classe. Nosso trabalho voluntário, silencioso, de resultados, tem sido reconhecido pela advocacia mineira. Um número grande de advogados e advogadas e de dirigentes de Subseção tem me cobrado, diariamente, uma candidatura à presidência. No entanto, faço parte de um grupo forte, unido e coerente que sempre atuou na construção e valorização da maior organização de classe do país e com certeza iremos escolher um nome que possa representar à altura as ideias e necessidades dos advogados mineiros.
Mas, se o seu grupo decidir pelo seu nome, você aceitaria disputar a eleição para presidência da ordem? Não posso negar que seria uma honra e uma grande responsabilidade, tendo a certeza que poderia contribuir para o engrandecimento de nossa Instituição com o compromisso de cuidar e valorizar a advocacia mineira, sobretudo os jovens, agregando os pilares de união da classe, respeito, austeridade e inovação.
Em sua visão, qual o futuro da advocacia brasileira em um contexto de tecnologia e evolução humana? A tecnologia só veio para somar. A pandemia nos mostrou como é possível desburocratizar e dinamizar os processos judiciais, apesar de haver desafios como as falhas no processo eletrônico. No entanto, é preciso ponderar que há uma parcela da população (incluindo advogados) que não tem acesso à Internet de qualidade, que não foram forjados sob o prisma da tecnologia atual. Portanto, qualquer alteração não pode ser abrupta e deve levar em consideração essas dificuldades. Ademais, há um receio grande entre os jovens advogados de que a inteligência artificial irá nos substituir no nosso mister. Impossível! A utilização dos chamados “robôs” pode facilitar a busca de jurisprudências que se amoldem a um determinado caso, mas jamais escolher a melhor estratégia. De fato, não haverá no futuro a advocacia das chamadas “diligências”, pois os processos serão na sua integralidade (futuro breve) eletrônicos e as audiências serão por vídeo ou híbridas. Por outro lado, outras áreas de atuação, inclusive novos nichos abertos com essa mesma evolução tecnológica, estão absolutamente inexploradas, como o direito para “startups”, direito desportivo, direito eleitoral e muitos outros.
Qual mensagem você poderia deixar aos advogados e aqueles que pretendem futuramente seguir a profissão. Tenho dito sempre nas solenidades de entrega de carteiras para buscarem a própria vocação. Em qualquer profissão é necessário ter paciência e persistência e isso só é possível quando nos identificamos verdadeiramente com a atividade que escolhemos. Ainda, é preciso lutar pelos direitos nos quais acreditamos, sem nos acomodarmos com o cenário que nos é apresentado. Por fim, o trabalho deve ter como propósito maior o bem comum. A advocacia é apenas o instrumento utilizado para a obtenção da paz social. É uma profissão desafiadora, mas apaixonante. Lidamos com o bem mais caro do cidadão: guarda de criança, patrimônio, honra, liberdade. Enfim, somos a voz do cidadão perante um dos pilares da Administração Estatal: o Poder Judiciário e, ao final do nosso trabalho, distribuímos Justiça. Tem algo mais belo que isso?