Por Elias Fernandes
“A gente quer propor um novo modelo de ética, um novo modelo de política e ressignificar o Senado, já que a Casa, por ser um espaço público, tinha que ser diversa, coisa que a gente não vê.” Duda Salabert, professora de Literatura, foi confirmada no último sábado (28) como candidata ao Senado Federal pelo Psol (Partido Socialismo e Liberdade) em Minas Gerais. Ela é a primeira mulher travesti na história do Brasil e na América do Sul a alçar seu nome à disputa.
Fundadora da ONG Transvest, que oferece cursos gratuitos a pessoas transexuais no centro de Belo Horizonte, como o EJA (Educação de Jovens e Adultos), pré-vestibular, defesa pessoal e de idiomas, a educadora é defensora das causas ambientalista e animal, além dos direitos humanos. Salabert também é idealizadora do Curso Popular da Guaicurus, que em breve vai ofertar educação gratuita a trabalhadores do baixo centro da capital, segundo a ativista. Sua candidatura é apresentada como um enfrentamento aos “senhores que regem o Brasil”, com um corpo que “sempre foi jogado às margens”.
“Historicamente, o Senado tem o papel de moralizar a sociedade. E os corpos travestis são lidos e reconhecidos como imorais, o que dá um contorno mais político ainda, de rivalizar a moral. Nós vamos debater um modelo de moral também”, afirma Duda. Ainda na pré-candidatura, ela foi alvo de insultos nas redes sociais e reagiu com a campanha “#somostodosDudaSalabert”, que recebeu o apoio de centenas de pessoas. A candidata do Psol diz que o momento é de “dar a cara a tapas” e que sonha com um debate político sobre pautas como a diversidade e meio ambiente, normalmente esquecidas no discurso público, em sua visão. Para ela, uma mudança nesse panorama seria mais importante que sua própria vitória nas urnas.
Educadora reagiu a ataques recebidos com campanha nas redes sociais (Foto: reprodução/Facebook)
Duda vê o modelo educacional brasileiro “eurocentrado” e acredita que ele deve ser repensado para que se torne mais popular, libertário, emancipatório e plural. “Precisamos rever os nossos currículos e propor, de fato, uma educação em que a diversidade se sinta contemplada, para evitar tamanhas pulsões no ambiente escolar”, diz. Ela também defende um olhar “ecofeminista” para o meio ambiente e cita a tragédia de Mariana para explicar seu posicionamento: “As pessoas que mais sofreram foram as mulheres, sobretudo as negras. Você vai discutir meio ambiente, tem que discutir qual a relação das mulheres com ele. O debate precisa ser interseccional”.
Nós vamos debater um modelo de moral – Duda Salabert
O Psol lançou outras duas mulheres que trabalham na educação para as eleições estaduais em Minas. Dirlene Marques e Sara Azevedo são candidatas ao governo e têm o apoio do PCB (Partido Comunista Brasileiro). Salabert, defensora de uma esquerda radical, deve enfrentar no pleito a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), cujo impeachment é considerado um golpe por diversos partidos brasileiros, inclusive o Socialismo e Liberdade. Mas a primeira travesti candidata ao Senado no Brasil não poupa críticas à petista.
“Eu pergunto: qual o compromisso que a ex-presidenta Dilma teve com a população LGBT, quando ela prefere negociar com Marco Feliciano e vetar o debate de gênero na escola? Qual o compromisso que a Dilma teve com a população negra e pobre, sendo que, no governo do PT, dobrou a população carcerária? O PT fez um governo de centro, não fez um de esquerda”, questiona.
O discurso da educadora rejeita a “conciliação de classes”, as parcerias que o Partido dos Trabalhadores fez ao longo de sua história, com o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e “banqueiros”, e legitima ações conjuntas a movimentos sociais. Para ela, a iminente disputa com a ex-chefe do Executivo é uma oportunidade para discutir em que momento seu governo se voltou para o povo e “se voltou”.
Vaquinha virtual
Assim como outros vários políticos, a professora criou uma “vaquinha” virtual para receber doações à sua campanha. A meta é arrecadar R$ 50.000 para financiá-la e, até agora, pouco mais de R$ 2.500 foram doados, de 22 pessoas.
No crowdfunding eleitoral, pessoas físicas podem destinar valores que não ultrapassem 10% de suas rendas brutas obtidas em 2017. É uma alternativa à proibição de doações por empresas determinada pelo STF (Superior Tribunal Federal) em 2015.