Por Cleito Ribeiro
As coisas não estavam nada tranquilas naquele 4 de agosto de 1842 no Arraial de Lagoa Santa. Aliás, é preciso dizer, não estavam nada tranquilas em toda Província que, desde 10 de junho, se encontrava sublevada, palco do confronto aberto entre liberais e conservadores. O conflito saia dos gabinetes e da oratória inflamada dos contendores, tomando as ruas e estradas de Minas. As ideias, exaltadas, exigiam mais que discursos. As ofensas mútuas e os ódios alimentados cuidadosamente pediam sangue e o sangue correu entre irmãos. Os insurgentes paulistas haviam já caído ante as forças do Brigadeiro Luis Alves de Lima e Silva, então Barão de Caxias, desde junho, e Minas, isolada mas determinada, se via cada vez mais acossada pelas forças imperiais. Sob comando de Teófilo Otoni Minas mais adiava uma derrota do que fazia supor uma vitória.
Em 2 de agosto, parte das tropas liberais que haviam se retirado para Santa Luzia quando da tomada de Sabará pelas tropas legalistas do Cel. Manuel Antonio Pacheco e que, atacadas, abandonaram a vila e se dirigiram para o sítio do Capão, local que impossibilitava a resistência, viram a Vila da Lagoa Santa como a saída natural, onde parte significativa de seus moradores abraçavam a causa liberal. Deixando fogueiras acesas, as tropas comandadas por Luiz Eusébio de Azevedo, compostas pela coluna de Curvelo, já em muito desfalcada e forças insurgentes oriundas do Morro de Mateus Leme e Santana lograram enganar os perseguidores, saindo do Capão à noite e brumando para Lagoa Santa.
Em 3 de agosto, depois de intensas discussões, parte das forças rumaram para Santa Bárbara, visando unir forças às tropas comandadas por Manuel Ferreira, líder liberal, deixando a Vila de Lagoa Santa em posição extremamente delicada. Em 4 de Agosto, por volta das 14h, as tropas imperiais adentraram a vila, sendo surpreendidos pelo fogo intenso que ecoava dos casarões e quintais, das matas do entorno, de cada muro ou parte do relevo que fosse propício. Envolvidos pelas táticas assimétricas das forças rebeldes, que se encontravam em menor número e bem menos armadas e municiadas, as tropas do Império não tiveram alternativa senão recuar, com grande número de feridos, inclusive seu comandante, o Cel. Manoel Antonio Pacheco, posto fora de combate por um balaço ainda nos primeiros movimentos do ataque à vila.
No fabuloso “História da Revolução Liberal de 1842”, de autoria do Cônego Marinho, esse mesmo um revolucionário da causa liberal, saltam referências à batalha, algumas bastante icônicas, como a que segue: “Merece especial menção o comportamento de uma senhora, cujo nome sinto ignorar (é ela tia de Adriano José de Moura), que nos momentos mais críticos, mostrou uma coragem superior não só a seu sexo, mas ainda a de muitos homens, aos quais animava e exortava para que acudissem ao fogo, distribuindo ela mesma a munição e fazendo-a conduzir para as diferentes trincheiras, apesar das balas que se cruzavam pelo pátio da casa, pelos telhados, paredes, e pelas ruas com zunido aterrador”.
A batalha de Lagoa Santa, ainda que resultasse numa surpreendente e inesperada derrota do Império, não tinha e não teve poder de mudar a realidade do conflito. Desgastados e isolados, os insurgentes, cercados por todos os lados, ainda que vitoriosos no dia 4, não tinham alternativa senão a dispersão, levada a termo no dia 6 de agosto, dois dias depois da célebre e heróica vitória. O heroísmo dos insurgentes de Lagoa Santa não salvaria a Revolução e, pouco tempo depois, em 20 de agosto, Santa Luzia era tomada pelas forças de Caxias e os principais líderes revolucionários presos e conduzidos ao cárcere em Ouro Preto.
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