Neuropsicóloga, psicóloga clínica, Coach Psychologist & Wellness Coach, palestrante e criadora dos programas 4EverFit, MÃES4.0 e Mulheres em Equilíbrio, Jane Karenina é uma das grandes autoridades da área a reafirmar a importância dos cuidados com a saúde mental nessa época de pandemia. Jane, que morou por vários anos nos Estados Unidos, atendeu em consultório particular, atuou como coordenadora clínica no atendimento a veteranos de guerra, mas reside e atende hoje em Lagoa Santa, no primeiro centro de referência em Neuropsicologia & Terapia Cognitivo-Comportamental da região, destinado à portadores de Transtornos Neurológicos e à pacientes que buscam avaliação, diagnóstico, tratamento e reabilitação, fala sobre causas, sintomas e formas de prevenção. Confira!
Muitos médicos e psicólogos afirmam que a pandemia tem potencial para levar a população a uma epidemia de transtornos como a depressão e a ansiedade, por exemplo. Qual a sua análise a respeito? Bem, ela não só pode levar, como já está levando. Têm aumentado, consideravelmente, os casos de depressão, de transtorno de ansiedade e do pânico, sem contar, é claro, o número de casos de violência doméstica. As pessoas estão adoecendo porque elas não estão dando conta de realizar enfrentamentos dentro da própria casa. Isso tem levado ao adoecimento, à violência doméstica, aos pensamentos e tentativas de suicídio. Então, além da depressão, essa situação vai desencadeando também vários tipos de transtorno que vão comprometer a população, fortemente, a médio e a longo prazo.
Na sua opinião, os impactos mentais são aspectos que devem ou, pelo menos, deveriam também ser considerados, assim como os sociais e econômicos, pelos governantes nessa pandemia? Com certeza, a saúde mental é fundamental. Você pode estar fisicamente em perfeitas condições, com o organismo funcionando bem, sem nenhuma doença que te comprometa, mas se a cabeça não estiver funcionando bem, você não estiver equilibrado emocionalmente, não adianta seu corpo estar bem. Então, isso deveria ser considerado, sim, em paralelo a saúde física e econômica. Os aspectos emocionais geram desespero às pessoas sob o efeito do falta de esperança, da falta de perspectiva e, pelo menos a curto prazo, é o que as leva a tomarem atitudes precipitadas, como a de tirarem a própria vida, se entregarem. Não dá desequilibrar uma ponta e achar que a outra vai ficar equilibrada. Uma pessoa esgotada emocionalmente, não consegue trabalhar, não consegue cuidar da saúde, não consegue fazer uma atividade física e se alimentar bem. A nossa cabeça é que guia todos os nossos comportamentos e todas nossas tomadas de decisão.
E os impactos na vida dos profissionais da saúde que estão na linha de frente da doença? Podem ser ainda mais danosos? Essa questão é muito crítica e no mundo inteiro. Os profissionais que estão na linha de frente, seja na saúde física ou mental, deveriam ser melhor preparados, desde a faculdade e também durante toda a vida, porque eles lidam com o que há de mais doloroso: a morte. No meu consultório, por exemplo, a maior parte das pessoas que eu sempre atendi, e atendo, são profissionais de saúde. Essas pessoas adoecem muito por lidarem com as maiores dores do ser humano. Como eles não estão confinados, teoricamente, não estão protegidos. Estão colocando a própria saúde e a própria vida em risco, mesmo também tendo família e outras esferas que não só o trabalho. Então, é fundamental que essas pessoas sejam cuidadas, acolhidas e tratadas.
Como identificar os sinais de adoecimento psíquico? A primeira coisa é comparando o padrão de comportamento da pessoa ao de antes de um evento com esse, nesse caso a pandemia, mas poderia ser qualquer outro, como um luto. Normalmente, quem identifica não é quem adoece. Quem identifica são as pessoas próximas. Você estando dentro da situação é mais difícil reconhecer que alguma coisa está diferente, a menos que seja esse o seu trabalho, como é o meu caso. Mas, quando uma pessoa começa a adoecer psiquicamente, as pessoas em volta percebem. Então, eu devo ficar atento ao que as pessoas estão me falando, seu eu não ser conta de perceber.
Dê alguns exemplos de sinais na mudança de comportamento. Por exemplo, se antes eu era uma pessoa tranquila, paciente e bem humorada e, de repente, eu começo a ficar irritada, intolerante com as pessoas que eu tinha paciência, ou se antes eu era uma pessoa ativa e agora não tenho animo, não tenho motivação para fazer nada. Essa mudança no funcionamento global da pessoa é um grande sinal de que ela está adoecendo emocionalmente. E o que vai diferenciar adoecimento psíquico de uma pessoa que antes era saudável? Uma linha muito tênue que varia entre a frequência e a quantidade, o quanto isso tem ocorrido ao longo do dia ou ao longo da semana! Se essas diferenças tem acontecido com mais frequência e mais profundamente, é um grande sinal de que a pessoa pode estar desenvolvendo uma adoecimento emocional.
E qual a hora de buscar ajuda profissional? Quando você vê que não está mais dando conta sozinho. Quando você sente que é um barco à deriva, quando você olha em volta e não vê uma saída e começa a se desesperar mais que o normal. Você pode perder o apetite, o interesse na rotina, nas coisas que, diariamente, fazia e não conseguir se relacionar bem. Ou seja, quando uma determinada situação afeta o seu relacionamento, o seu humor, o seu apetite e você vê que sozinho não dá conta, essa é a hora de buscar ajuda. E ajuda profissional é de suma importância! Às vezes, para aliviar, você pode conversar com um amigo, um conjugue ou um irmão, só que essas pessoas não estão tecnicamente preparadas para te ajudar a encontrar o que causou a você o adoecimento e nem como você irá sair dele. Normalmente, o que as pessoas dão é um palpite e a partir do ponto de vista delas. O profissional não faz isso. O profissional olha para o paciente. Ele suspende o julgamento, suspende o que ele acha e apenas avalia o que é que o paciente precisa e qual a melhor forma de fazer.
Porque algumas pessoas parecem reagir melhor do que outras a alguns períodos de crise e adversidades? Por causa da resiliência, do treinamento. Todo comportamento pode ser treinado! Se durante a minha vida eu fui condicionado, treinado a pensar em soluções, pensar em alternativas, em não me desesperar diante de acontecimentos inesperados, se eu sou uma pessoa que consigo ver uma situação e pensar que ela é transitória, eu vou sair melhorado dela. Eu chamo isso de resiliência, um comportamento que nos permite acreditar na temporalidade e na transitoriedade das coisas. Ou seja, acreditar que tudo vai passar e que por mais novo e difícil que seja, não existe mal que dure para sempre. Então, a resiliência tem essa característica, de nos levar a ver as coisas por um prisma mais positivo. E não é que isso nos tira da realidade, isso nos mantém sempre seguindo em frente. O que acontece com as pessoas que normalmente vão deprimir e se entregar? Uma situação na qual elas não dão conta de administrar o sentimento de medo, de preocupação e de insegurança. Elas querem um alívio imediato. Por isso, tem aumentado tanto o uso de drogas e álcool.
O que devemos fazer para tentarmos manter ou proteger a saúde mental nesse período de pandemia? Alguma dica? A primeira coisa é o cuidado com a alimentação. Dependendo do que você vai comer, você vai, sim, ficar com o humor mais deprimido ou mais exaltado. O meu conselho é: cuide da alimentação, pois ela é de extrema importância. A segunda coisa é a criação de uma rotina, dentro do possível. Se você tem crianças, estabeleça quanto tempo elas podem ficar em frente à televisão, pegue um vídeo no YouTube, faça um alongamento, coloque uma música e dance, vá para uma área externa e tome um pouco sol. Não fique o tempo todo confinado dentro de casa. Outra coisa é o uso excessivo da tecnologia, o tempo que você fica em frente às telas. O excesso de estimulo visual não é bom e exige muita cautela. Alterne as atividades entre o período que você fica parado e o período que você movimenta o corpo. Movimentar o corpo é de extrema importância para estimular a produção de substâncias no organismo que vão dar a sensação de bem-estar, a vontade de seguir em frente e a confiança de que as coisas vão mudar. Lembrando ainda que o sono também é algo que devemos cuidar. Se você não tem uma boa noite de sono, você vai ter uma rotina comprometida.
Você acredita que a pandemia deixará algum legado positivo, principalmente em relação ao comportamento das pessoas? De uma forma geral, olhando num grande cenário, a tendência é de que as pessoas percebam coisas mais rotineiras que, normalmente, elas não pensavam, como a liberdade de ir e vir, de sair para respirar um ar puro, dar um abraço apertado nos amigos e visitar mais as pessoas queridas. Então, é possível que as pessoas repensem isso. Porém, existe uma diferença entre pensar dessa forma, enquanto você vive uma crise, e uma real mudança quando ela passar. Isso serve para todos os momentos difíceis na vida. Se você vai valorizar mais as pessoas, dar mais valor à liberdade, ter contatos mais amistosos, isso vai variar de pessoa pra pessoa. Pode ser que quando tudo passar, algumas pessoas vão continuar agindo da mesma forma, principalmente aquelas que tem uma tendência a ser mais vitimizadoras. Já outras vão dar mais valor às coisas pequenas, que antes não davam, mudar o comportamento e tornar pessoas diferentes, pessoas melhores. Eu espero sinceramente que as pessoas consigam enxergar essa situação como um estepe para o próximo nível, para entenderem o que realmente importa na vida.
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