A região de Lagoa Santa ocupa posição chave na Arqueologia Brasileira com ocupações humanas que remontam há 11.500 anos. O reconhecimento desse patrimônio vem desde o século XIX, através das pesquisas do dinamarquês Peter Wilhelm Lund. Lund chegou à região em 1835 reunindo em seus anos de pesquisa um acervo de mais de 12.000 fósseis, incluindo espécies da Antiga Fauna da Região (Megafauna), além de ossadas humanas do “Homem de Lagoa Santa”.
Os achados de Lund chamaram a atenção de pesquisadores e naturalistas para a região. Dentre eles, a do botânico Eugene Warming que vem secretariar o dinamarquês desenvolvendo aqui o primeiro estudo sistemático do Cerrado Brasileiro. Além de Warming, outros pesquisadores passaram por aqui, a exemplo de Agassiz, Riedel, Richard Burton e Burmeister.
No século XX, foram diversos os pesquisadores que passaram pela região, a exemplo de Cássio H. Lanari e Padberg Drenpol que, por volta de 1909, dirigiram as expedições do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Em 1956, Wesley Hurt, sob comando da Missão Americano-Brasileira, obteve as primeiras datações em Carbono 14 realizadas na região, que indicavam que as ocupações humanas se situavam há pelo menos 10.000 anos.
Na década de 1970, pesquisas foram desenvolvidas pela Missão Franco-Brasileira sob coordenação da Arqueóloga francesa Annette Laming Emperaire. As escavações foram responsáveis por um dos achados de maior relevância na região, um crânio humano de 11.500 anos que ficaria conhecido como “Luzia, a primeira brasileira”.
A importância conotada ao crânio de Luzia ganhou proporção após a realização de estudos de sua morfologia pelo Bioantropólogo Walter Neves. Os resultados indicavam uma semelhança na morfologia craniana com os grupos africanos e atuais aborígenes australianos. Esses estudos culminaram no surgimento da teoria de dois componentes biológicos, defendendo que a América teria tido duas ondas migratórias de povoamento: uma mais antiga, portando traços similares aos africanos e idênticos à Luzia, e outra mais recente, com traços mongolóides, responsável pela descendência dos atuais indígenas americanos.
Dando sequência a esses estudos, mais pesquisas ocorreram no “Projeto Morte e Vida na Lapa do Santo: Uma Biografia Arqueológica do Povo de Luzia”, realizado sob coordenação de Rodrigo Elias (IB-USP) e André Strauss (MAE-USP). O sítio da Lapa do Santo contou com achados de relevância, chamando atenção para seus sepultamentos humanos, que envolvem uma intensa manipulação corporal.
Ao fim de 2018, foi publicado um artigo na Revista Científica CELL, onde pesquisadores de diversos países, desenvolveram um estudo onde extraíram e sequenciaram o DNA de indivíduos de diferentes sítios arqueológicos na América, buscando assim reconstruir parte da história populacional do continente. Esse estudo trouxe o sequenciamento do DNA de indivíduos da Lapa do Santo, primeiro sequenciamento genético realizado com sucesso em esqueletos da Região Arqueológica de Lagoa Santa.
Os resultados contrariaram a teoria dos dois componentes biológicos, indicando que um único contingente populacional foi ancestral de todas as etnias ameríndias e que esses grupos possuíam afinidade com os povos da Sibéria e Norte da China. Segundo os dados, há mais de 17.000 anos os membros desse contingente populacional cruzaram o estreito de Bering povoando o “Novo Mundo”. Esses estudos renderam, inclusive, uma nova reconstrução facial dos povos de Lagoa Santa, um indivíduo masculino da Lapa do Santo, apelidado de Luiz.
É evidente a importância científica da região de Lagoa Santa e de seu patrimônio no estudo da Arqueologia Brasileira. Mesmo após 180 anos de pesquisas e debates científicos, novas constatações e achados continuam surpreendendo a todos. A certeza que fica é de que muito mais ainda está por vir. Depende de nós assegurar o futuro desse rico patrimônio cultural.
Neste artigo de Cleito Ribeiro, graduado em história, professor e historiador do Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire – CAALE, colaboração de Igor Prado Rodrigues, bacharel em Ciências Socioambientais pela UFMG
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